Os anos 80 no Brasil foram marcados por uma efervescência cultural, econômica e social que se refletiu em diversos aspectos do cotidiano, inclusive nos hábitos de consumo. Entre as memórias mais doces dessa época, destacam-se os refrigerantes que coloriam as geladeiras e animavam as festas de toda uma geração. Mirinda, Crush, Grapette, Gini, 7UP, Itubaína e Baré são nomes que, para muitos brasileiros, evocam instantaneamente lembranças de uma infância repleta de sabores intensos e comerciais marcantes. Este artigo mergulha na história dessas bebidas icônicas, explorando seu auge, declínio e o legado que deixaram no imaginário coletivo brasileiro.
O Cenário dos Anos 80
Para entender o fenômeno desses refrigerantes, é crucial contextualizar o Brasil dos anos 80. O país vivia o fim da ditadura militar, a redemocratização e uma explosão de criatividade em diversas áreas. A televisão se consolidava como o principal meio de comunicação, e a publicidade vivia uma era de ouro, com campanhas memoráveis que se tornaram parte da cultura popular.
Nesse cenário, o mercado de refrigerantes era um campo de batalha feroz, onde marcas nacionais e internacionais competiam pela preferência do consumidor brasileiro. A diversidade de opções era impressionante, com sabores que iam do tradicional cola aos mais exóticos, como tutti-frutti .
Relembre a história, o sucesso e as mudanças dessas e de outras marcas no artigo a seguir.
Mirinda
Entre os refrigerantes que marcaram época no Brasil, a Mirinda ocupa um lugar especial na memória dos consumidores que viveram os anos 1980 e 1990. Esta bebida, conhecida principalmente por seu refrescante sabor de laranja, teve uma trajetória interessante que transcende as fronteiras brasileiras.
A história da Mirinda começou em 1959, na ensolarada Espanha. Seu nome, que significa “admirável” ou “maravilhosa” em esperanto, já sugeria a ambição de seus criadores de produzir uma bebida que encantasse os consumidores. O sucesso inicial da marca chamou a atenção de gigantes do setor, e em 1970, a PepsiCo adquiriu a Mirinda, integrando-a ao seu portfólio global de bebidas.
Sob a gestão da PepsiCo, a Mirinda expandiu sua presença internacional. No final da década de 1970, a marca fez sua estreia nos países árabes, demonstrando sua versatilidade e apelo multicultural. Esta expansão pavimentou o caminho para sua entrada em outros mercados, incluindo o Brasil.
No cenário brasileiro, a Mirinda, especialmente em sua versão sabor laranja, tornou-se um fenômeno. Durante quase duas décadas, de 1980 até aproximadamente 1998, o refrigerante conquistou o paladar dos brasileiros com seu sabor cítrico intenso e suas campanhas publicitárias marcantes. A Mirinda se estabeleceu como uma alternativa vibrante no competitivo mercado de refrigerantes de laranja, rivalizando com marcas já estabelecidas.
No entanto, o final dos anos 1990 marcou uma mudança significativa para a Mirinda no Brasil. A partir de 1998, a marca começou a ser gradualmente retirada do mercado brasileiro. Esta decisão fez parte de uma estratégia mais ampla da Ambev (na época, recém-formada pela fusão entre Brahma e Antarctica, e parceira da PepsiCo no Brasil) de reorganizar seu portfólio de bebidas.
Em substituição à Mirinda, a Ambev apostou na Sukita, outro refrigerante de laranja. A Sukita, que já existia no mercado brasileiro, foi reposicionada para ocupar o espaço deixado pela Mirinda. Esta transição refletiu uma estratégia de consolidação de marcas e adaptação às preferências locais do mercado brasileiro.
Embora a Mirinda tenha desaparecido das prateleiras brasileiras, seu legado permanece na memória afetiva de uma geração que cresceu saboreando seu gosto característico. Em outros países, a marca continua ativa, oferecendo uma variedade de sabores que vão além do tradicional laranja.
A história da Mirinda no Brasil ilustra as dinâmicas complexas do mercado de bebidas, onde mesmo marcas bem-sucedidas podem ser descontinuadas em favor de estratégias corporativas mais amplas. Apesar de sua ausência física, a Mirinda permanece como um ícone da cultura pop brasileira dos anos 80 e 90, um símbolo de uma época em que a diversidade de marcas e sabores no mercado de refrigerantes estava em seu auge.
Crush
A Crush, um ícone da indústria de refrigerantes, teve uma trajetória fascinante no mercado brasileiro. Desenvolvida em 1911 pelo químico americano Neil C. Ward, a bebida se destacava por seu sabor único, derivado inicialmente do óleo das cascas de laranja e, posteriormente, do próprio suco da fruta.
No auge de sua popularidade, a Crush era vista como a principal concorrente da Fanta, um dos carros-chefe da Coca-Cola Company. Sua presença no Brasil durante os anos 1970 seguia um modelo de negócios comum à época: um sistema de licenciamento semelhante a uma franquia. Sob esse arranjo, diversas empresas regionais obtinham o direito de produzir e distribuir a Crush em diferentes partes do país. Entre os engarrafadores notáveis, destacavam-se a Golé, situada em Uberaba, e a Pakera, operando em Magé, no estado do Rio de Janeiro.
Entretanto, o cenário mudou drasticamente na década de 1990. A não renovação das licenças de produção resultou na descontinuação da Crush no mercado brasileiro, marcando o fim de uma era para muitos consumidores.
Curiosamente, a história da Crush no Brasil ganhou um capítulo adicional no início dos anos 2010. Numa reviravolta inesperada, a Coca-Cola adquiriu os direitos da marca e orquestrou um retorno limitado do refrigerante ao país. Em 2011, uma versão especial da Crush foi lançada na região do Cariri, no Ceará, apresentando uma fórmula adaptada que incluía guaraná e suco de caju em sua composição. Esta edição limitada não apenas homenageou a herança da marca, mas também demonstrou uma tentativa de adaptação aos gostos locais, mesclando o legado internacional da Crush com sabores tipicamente brasileiros.
Grapette
“Quem bebe Grapette repete!” – esse jingle ficou gravado na memória de milhões de brasileiros. O Grapette, com seu distintivo sabor de uva, não era apenas um refrigerante; era um fenômeno cultural. Lançado originalmente nos Estados Unidos na década de 30, o Grapette chegou ao Brasil nos anos 50 e atingiu seu auge de popularidade nos anos 80.
A história desta bebida gaseificada com sabor de uva começou em 1930, quando o químico americano Benjamin Tyndle Fooks embarcou em uma jornada para criar a fórmula perfeita.
Foi apenas após a Segunda Guerra Mundial que Fooks finalmente alcançou o sabor especial que tanto almejava. O resultado foi um sucesso instantâneo nos Estados Unidos, conquistando rapidamente um vasto número de consumidores e estabelecendo o Grapette como um nome de peso no mercado de refrigerantes.
A onda roxa do Grapette chegou ao Brasil em 1948, trazida pela Companhia de Refrigerantes Guanabara, sediada no Rio de Janeiro. O sucesso da bebida em terras brasileiras foi tão expressivo quanto nos Estados Unidos, levando à rápida expansão de franquias e distribuidoras por todo o país. O sabor único e refrescante do Grapette caiu no gosto do público brasileiro, tornando-se sinônimo de refrigerante de uva para muitos.
Um capítulo significativo na história brasileira do Grapette começou em 1973, quando a Saborama Sabores e Concentrados para Bebidas assumiu os direitos da marca e da formulação em todo o território nacional. Sob a gestão da Saborama, o Grapette não apenas manteve sua popularidade, mas também expandiu sua linha de produtos. A empresa foi responsável por inovações importantes, incluindo o lançamento do sabor framboesa, a introdução da uva verde e o desenvolvimento de uma versão dietética do refrigerante, adaptando-se assim às mudanças nas preferências dos consumidores.
Ao contrário de muitas marcas icônicas dos anos 70 e 80 que desapareceram do mercado brasileiro, o Grapette demonstrou notável resiliência. A marca continua em operação até os dias atuais, mantendo viva a tradição de seu sabor característico que conquistou gerações de brasileiros.
A longevidade do Grapette no mercado brasileiro é um testemunho não apenas da qualidade e apelo de seu produto original, mas também da capacidade da marca de se adaptar e evoluir com o tempo. Desde sua criação por um químico americano persistente até sua presença contínua nas prateleiras brasileiras, o Grapette representa uma história de sucesso no competitivo mundo dos refrigerantes, provando que, de fato, quem bebe Grapette, realmente repete.
Gini
O cenário dos refrigerantes no Brasil nas décadas de 1970 e 1980 era marcado por uma diversidade de sabores e marcas que hoje despertam nostalgia em muitos consumidores. Entre essas bebidas icônicas, destacava-se o Gini, um refrigerante com sabor de limão que conquistou o paladar brasileiro ao lado de outros clássicos como a Crush.
A Pakera, empresa conhecida por produzir a Crush no Brasil, também era responsável pela fabricação do Gini em território nacional. Enquanto a Crush se especializava no sabor laranja, o Gini oferecia uma refrescante alternativa cítrica com seu distintivo gosto de limão. No entanto, assim como aconteceu com a Crush, a produção do Gini no Brasil foi descontinuada na década de 1990, encerrando uma era dourada para ambas as marcas no país.
Apesar de ter desaparecido das prateleiras brasileiras, a história do Gini não terminou por aí. A marca, criada originalmente pela Perrier em 1971, passou por mudanças significativas em sua trajetória global. Em 1989, foi adquirida pela Cadbury Schweppes, uma movimentação que alterou os rumos da marca internacionalmente.
Hoje, embora o Gini não seja mais encontrado no Brasil, seu legado persiste de certa forma através da Schweppes, que continua operando no país com um sabor que muitos consideram semelhante ao do saudoso Gini. Esta similaridade de sabor oferece um consolo nostálgico para os fãs da antiga marca.
No cenário internacional, o Gini continua a ser produzido e distribuído, agora sob a tutela da Suntory. A marca mantém uma presença particularmente forte na França, onde é conhecida por seu intrigante slogan: “La plus chaude des boissons froides”, que se traduz como “a mais quente das bebidas geladas”. Esta frase captura a essência única do Gini, sugerindo uma experiência de sabor intensa e vibrante, mesmo quando a bebida está gelada.
A história do Gini, desde sua origem na Perrier, passando pela produção pela Pakera no Brasil, até sua atual incarnação sob a Suntory, ilustra as complexas transformações e movimentações no mercado global de bebidas. Embora ausente no Brasil há décadas, o Gini continua a refrescar consumidores em outras partes do mundo, mantendo viva a tradição de um sabor que marcou época no mercado brasileiro de refrigerantes.
7Up
A história da 7Up, uma das marcas de refrigerante mais reconhecidas mundialmente, teve início em 1929 na cidade de St. Louis, Missouri, nos Estados Unidos. Seu criador, Charles Leiper Grigg, era um empresário experiente na indústria de bebidas, que buscava desenvolver um produto único para conquistar o mercado.
Inicialmente, a bebida recebeu o nome bastante peculiar de “Bib-Label Lithiated Lemon-Lime Soda”. Apesar do nome complicado, o refrigerante rapidamente ganhou popularidade devido ao seu sabor refrescante e inconfundível de limão e lima. Foi em 1936 que a marca passou por uma transformação significativa em sua identidade. O extenso nome original foi simplificado para o icônico “7Up”, acompanhado por uma campanha de marketing inovadora.
A nova estratégia publicitária associava o número 7 a conceitos de frescor e vitalidade. O slogan “7Up” estava sempre “7-Up” (em inglês, “up” significa “para cima”) sugeria uma bebida constantemente revigorante, capaz de elevar o ânimo dos consumidores. Esta abordagem criativa ajudou a consolidar a marca no imaginário popular.
No Brasil, a trajetória da 7Up tomou rumos diferentes. A bebida foi distribuída no país até 1997, quando foi descontinuada devido à baixa aceitação do público brasileiro. No entanto, a marca não desapareceu completamente do mercado nacional. Em uma tentativa de se adaptar às preferências locais, a 7Up foi relançada exclusivamente no estado do Rio Grande do Sul sob o nome de Teem.
A evolução da marca no Brasil não parou por aí. A fórmula original passou por modificações, resultando em uma versão com doses reduzidas de sabor de limão. Esta reformulação deu origem à H2OH!, lançada no mercado brasileiro em 2006. A H2OH! pode ser considerada uma descendente moderna da 7Up, adaptada ao paladar e às tendências de consumo contemporâneas no país.
A história da 7Up ilustra como uma marca pode evoluir e se adaptar a diferentes mercados e épocas. Desde seu início com um nome complexo até se tornar um ícone global, e posteriormente se transformar em produtos regionalizados, a 7Up demonstra a dinâmica fascinante da indústria de bebidas e sua capacidade de reinvenção constante.
Itubaína
A Itubaína, uma marca de refrigerantes do tipo tubaína, faz parte do portfólio da Heineken Brasil. Sua origem remonta a 1954, em São Paulo, quando foi lançada com o propósito de competir com as marcas estrangeiras que então dominavam o mercado de bebidas. Inicialmente, a Itubaína pertencia à Schincariol, empresa que posteriormente se tornou Brasil Kirin.
O sabor original da Itubaína era o tutti-frutti, uma mistura de frutas. Com o tempo, a linha de produtos se expandiu, incluindo as variantes de maçã e guaraná. Desde sua criação há quase sete décadas, a Itubaína mantém sua presença no mercado brasileiro de refrigerantes.
Baré
O refrigerante Baré, cuja origem remonta à década de 1960 em Manaus, Amazonas, traz em seu nome uma homenagem à tribo indígena Barés. Inicialmente um produto regional, a bebida ganhou projeção nacional nos anos 1980, conforme relata o blog Viva os Anos 80. Nesse período, a marca expandiu sua linha de produtos, introduzindo os sabores tutti-frutti e noz-de-cola, que contribuíram significativamente para sua popularização.
Originalmente produzido pela Antárctica, o Baré passou por uma mudança de propriedade em 2000, quando a fusão entre a Companhia Antarctica Paulista e a Companhia Cervejaria Brahma resultou na formação da Ambev. Essa transição marcou o início de uma nova fase para a marca, que gradualmente reduziu sua presença em várias regiões do país. Apesar dessa retração, o refrigerante Baré mantém sua tradição e continua sendo comercializado no estado do Amazonas, preservando assim parte de sua herança original.
O Legado e a Nostalgia
O desaparecimento de Mirinda, Crush, Grapette e Gini das prateleiras brasileiras marca o fim de uma era na história dos refrigerantes no país. Essas marcas foram vítimas de uma combinação de fatores: mudanças nas estratégias corporativas, intensificação da concorrência, evolução nos gostos dos consumidores e transformações no mercado de bebidas como um todo.
Hoje, o mercado de refrigerantes no Brasil é dominado por grandes corporações multinacionais, com uma oferta menos diversificada em termos de marcas, mas mais variada em termos de sabores e opções diet/zero. A preocupação crescente com a saúde e a busca por alternativas mais naturais também têm impactado significativamente o consumo de refrigerantes tradicionais.
No entanto, o legado dessas marcas permanece. Elas não apenas refrescaram gerações de brasileiros, mas também fizeram parte da formação cultural e social de uma época. Os sabores de Mirinda, Crush, Grapette e Gini, embora ausentes das geladeiras atuais, continuam presentes nas memórias gustativas e afetivas de quem viveu os coloridos e efervescentes anos 80 no Brasil.
Essas bebidas, mais do que simples refrigerantes, tornaram-se símbolos de uma época de transformações e descobertas. Sua história é um testemunho das mudanças nos hábitos de consumo, nas estratégias de marketing e na própria sociedade brasileira ao longo das últimas décadas. E, embora não estejam mais fisicamente presentes, seu impacto cultural continua a ressoar, lembrando-nos de um tempo em que um simples gole podia transportar-nos para um mundo de possibilidades e alegrias simples.