Em novembro celebramos o mês da Consciência Negra, e por mais que ainda sejam muitos os desafios enfrentados pela população negra em diversos âmbitos da sociedade, também é crucial refletirmos sobre as conquistas. Isso porque, muitas delas já influenciam diretamente na produção cultural como um todo, especialmente no universo geek e dos games.
Mesmo que ainda incipiente, o aumento recente da representatividade dá o “start” em um ciclo auto alimentado necessário e urgente. A presença crescente de protagonistas e personagens negros em posição de destaque vai aos poucos criando contextos mais inclusivos, impactando diretamente as percepções de identidade de pertencimento de milhões de gamers.
Antes de entrar nesse mérito, no entanto, é preciso resgatar brevemente o histórico dessa indústria, tanto para contrastar com o cenário atual, quanto para ressaltar sua importância. Historicamente, a cultura geek e os games foram ambientes marcados intensamente por uma representação limitada e estereotipada de personagens negros.
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Por décadas, figuras negras foram relegadas a papéis secundários ou construídas muito superficialmente, quase sempre baseadas em estigmas rasos. No entanto, a última década vem mostrado avanços significativos, com o surgimento de cada vez mais protagonistas negros que subvertem esses padrões e oferecem narrativas mais completas e inspiradoras.
O papel das desenvolvedoras e a evolução da representatividade
Não faltam exemplos de representatividade forte no mundo das HQs, como Tempestade, Pantera Negra e Super-Choque, mas estatisticamente, esses personagens são obras de quadrinistas específicos, e que desde sempre tiveram agendas mais esclarecidas. Contudo, estatisticamente, eles ainda eram minorias, e o aumento dessa representatividade é algo relativamente recente, se intensificando com o lançamento do universo Ultimate da Marvel e a criação de Miles Morales, em 2011, assumindo como o Homem-Aranha após um dos diversos arcos que eventualmente matam Peter Parker.
Além de ser o primeiro Homem-Aranha negro, ele foi o segundo personagem de origem latina a assumir o manto do amigão da vizinhança, uma decisão da equipe editorial da Marvel que se provou acertada e consagrou como Miles um marco histórico. Analogamente, as desenvolvedoras têm um papel central nessa transformação no universo dos jogos.
A Rockstar Games, por exemplo, introduziu CJ, protagonista de Grand Theft Auto: San Andreas (2004), como um dos primeiros personagens negros complexos a ganhar destaque no mainstream. No entanto, apesar de carismático, o contexto de GTA fatalmente coloca CJ em uma posição de reproduzir o estereótipo do personagem negro imerso em uma cultura de crime, criando uma relação problemática no quesito representatividade.
Já em 2012, a Ubisoft lançou Assassin’s Creed III: Liberation, spin-off do terceiro jogo da série, que coloca como protagonista a assassina Aveline de Grandpré, agindo nas sombras para combater os templários enquanto ajuda a retomar Nova Orleans durante a guerra de independência dos EUA. Além de ser negra e filha de ex-escravizada, Aveline é a primeira mulher protagonista da franquia, e já é colocada em uma posição enorme de poder moldando os rumos da história, algo bem raro nos games, até então.
Impacto profundo na indústria e no público
Impacto cultural e inclusão de personagens negros bem elaborados não é apenas uma questão de justiça social. Um exemplo significativo é The Walking Dead: Season One, da Telltale Games, com Lee Everett como protagonista. A relação de Lee e Clementine é ainda hoje uma das histórias mais emocionantes nos jogos modernos, e o fato de Lee ser negro nunca é o tempo todo tratado como uma característica como parte integral de sua humanidade e história. Mesmo naquele mundo apocalítico, Lee é tão mais um fruto das suas marcas enquanto negro, que como apenas mais um sobrevivente, artificio relativamente comum em histórias desse tipo, e que acaba esvaziando de propósito muitos personagens que têm suas vivências apagadas.
Representações como as de Aveline e Lee, ou mesmo de Miles Morales, não mais nas HQs, mas no game Spider-Man: Miles Morales, de 2022, criam um enorme senso de reconhecimento e pertencimento em milhares de jogadores. Consequentemente, esse movimento também acaba despertando em muitos o interesse de se tornarem desenvolvedores, por perceberem que existe um enorme espaço para que eles também contem suas histórias.
Uma consequência direta disso é a iniciativa Black Game Developers Fund, que ajuda, justamente, a fomentar a criação de games explorando a pluralidade de experiências negras. Estabelecer tais ciclos é crucial para que a indústria rompa com o padrão de abordar a diversidade como iniciativa isolada ou apenas para bater metas de D&I. Afinal, não se trata apenas de uma “tendência”, mas de uma necessidade permanente para construir narrativas que reflitam a verdadeira pluralidade da nossa sociedade.
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